domingo, 31 de agosto de 2008

CARTA

CARTA DO ASSESSOR ECLESIÁSTICO NACIONAL DO MCC - JULHO/2008
Pe. José Gilberto Beraldo

“Jesus contou aos discípulos uma parábola, para mostrar-lhes a necessidade de orar sempre, sem nunca desistir” (Lc 18, 1).

Meus amados irmãos e irmãs, amigos permanentemente unidos na e pela oração:

Neste mês, proponho-lhes tratar de um assunto essencial para a vida cristã. Trata-se da “oração”. O que é oração? Como é rezar? Quando rezar? Inspirado num texto do Pe. Antonio José de Almeida, em “O Pão Nosso de cada dia”, ofereço-lhes, entre tantas outras existentes, uma singela reflexão sobre o tema. São Mateus conta que, ao ensinar seus discípulos a rezar, Jesus lhes diz que não são necessárias muitas palavras. Orar “usando muitas palavras” é coisa de pagãos, diz Jesus. E mais: orar “em posição de serem vistos pelos outros”, isto é, somente para aparentar devoção, isso é coisa de hipócritas, afirma o Mestre. E lhes ensina o Pai Nosso como modelo da oração perfeita (Mt 6,7-15). Portanto, tendo como inspiração e origem na oração perfeita de Jesus, proponho um caminho ou uma definição da oração em dez pontos. Assim, orar:

Primeiro – É reconhecer que Deus é Pai. Portanto, sendo Pai é o princípio de minha vida. É reconhecer que Deus é meu criador, mas, sobretudo, meu libertador das trevas que me envolvem pelo pecado e meu condutor para a fonte da luz da vida, que é Ele mesmo. Por isso, e ao mesmo tempo, Deus é meu fim, meu ponto de chegada. Ou seja, é o encontro final da minha vida. Final não quer dizer somente na “hora da morte”. Poderia parecer estranho, mas é assim mesmo: esse encontro que dizemos “final”, já tem início agora, no momento que, batizados, somos enxertados, pela graça, na vida divina. Ou seja, na vida eterna. Dizem os teólogos que a graça de Deus que nos é infundida no batismo é a “vida eterna já iniciada”! E Jesus mostra a razão de sua vinda para o meio de nós: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Que mais queremos?

Segundo – É reconhecer a mim mesmo como um ser limitado diante de Deus que é infinito, ilimitado, sem fronteiras (como, por exemplo, a doença, as fraquezas, a morte, etc.). Mas, mesmo limitado, fraco e carente, eu me reconheço radicalmente aberto ao infinito, Àquele que é perfeito e santo. É de Santo Agostinho a seguinte afirmação falando das aspirações da pessoa humana: “O meu coração anda inquieto enquanto não repousar em Ti, Senhor!”. O próprio Jesus provoca nossa sede do infinito quando diz: “Sede, portanto, perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48).

Terceiro – É colocar-me diante de Deus, vendo nEle, como num espelho, a minha própria face. Pois eu sou dEle a “imagem e semelhança” (Gn1, 26-27). Oração, portanto, é fonte de gozo, de alegria e de esperança: gozo, porque vivo feliz sendo imagem e semelhança de Deus, para Ele mesmo, para mim e para os outros; alegria, porque quem me vê, poderá ver em mim o rosto de Deus, e esperança, pois sei que, mesmo cheio de defeitos e rugas na minha face humana, posso buscar durante toda a minha vida a perfeição do rosto de Deus.

Quarto – É dialogar com Deus como o filho faz com seu Pai ou com sua Mãe. Afinal, Deus é Pai e Mãe, já nos ensinava o Papa João XXIII. No diálogo o Pai se aproxima de mim e eu dEle; dirige para mim o seu olhar de ternura, me chama de seu filho, dizendo que me ama...às vezes até pergunta por onde eu andei, que foi que eu fiz longe dEle, do seu coração, distante do seu abraço. E eu, olhando nos seus olhos, posso dizer a Ele que, apesar da minha ingratidão, do meu distanciamento, bem que eu estava ansioso para voltar para a casa paterna, ganhar uma roupa nova, um anel para pôr no dedo, ser acolhido na mesma mesa de família, saciar minha fome de carinho e ternura no abraço paterno!

Quinto – É buscar a intimidade de Deus e usufruir dessa intimidade. O diálogo com o pai não admite disfarces ou dissimulação. O diálogo é sincero, aberto, com simplicidade e muito carinho. São Paulo diz que recebemos o “Espírito que, por adoção, nos torna filhos, e no qual clamamos” ‘Abbá, Pai’ (Rm 8,16). “Abbá” é palavra hebraica e significa “paizinho”, simples assim, na intimidade. Mais ainda, o mesmo São Paulo diz que “se somos filhos, somos também herdeiros”. O herdeiro entra livremente na casa do pai,trata com ele dos seus “interesses”, de suas preocupações, at. Assim deveria ser nossa oração: intimidade, ternura, liberdade de falar ao Pai e de ouvi-lo. Jesus, em muitas ocasiões, ao conversar com o Pai, chama-o de “Abbá, Pai”!

Sexto - É dizer ao Pai que eu quero ser autêntico, com humildade e sem fingimento colocando-me no lugar daquele publicano que ficou “à distância e nem se atrevia a levantar os olhos para o céu; mas batia no peito, dizendo: ‘Meu Deus, tem compaixão de mim, que sou pecador’! e não assumir a atitude do fariseu que, de pé, se vangloriava de suas pretensas “virtudes” (cf Lc 18,10-14).

Sétimo - É declarar a minha fé diante do Pai e manifestá-la ao meu próximo, sendo essa oração, ao mesmo tempo, pedir insistentemente como um filho ao pai, repetindo uma, duas, mil, dez mil vezes: “Senhor, eu creio, mas ajuda-me na minha falta de fé!” (Mc 9,24). Assim fez aquele homem que pediu a Jesus para que curasse seu filho possuído por um espírito mau. Do mesmo modo pediram os apóstolos a Jesus depois que este lhes ensinou a perdoar o irmão pecador: “Aumenta a nossa fé”! (Lc 17,5).

Oitavo – É entrar em comunhão com Deus e com os irmãos, buscando torná-la concreta em nossa vida. Ao orar, entrando na intimidade do Pai, trazemos conosco não só a nossa pessoa, os nossos anseios, as nossas carências e as nossas esperanças, mas trazemos, também, a vida dos nossos irmãos e irmãs. Oração não é abandonar sua condição de criatura ou tirar os pés do chão da vida. Mas é apresentar-se diante do Pai como os seres-em-relação que somos: relação com o mundo, relação com os outros, relação com Ele. Em suma, é viver intensamente a comunhão. A “vida eterna” que recebemos no batismo, leva-nos a reparti-la com nossos irmãos e nos faz co-participantes da divindade de Jesus: “Pelo mistério desta água e deste vinho possamos participar da divindade do vosso Filho que se dignou assumir a nossa humanidade” (Liturgia do ofertório da missa no momento da mistura da gota d’água com o vinho a ser consagrado).

Nono – É pedir com insistência, alimentando a certeza de se obter tudo o que se pede. Em muitas ocasiões Jesus fez referencia ao poder da oração suplicante e perseverante. Uma, em especial, deveria ser referência para a nossa oração: “Por isso, vos digo: tudo o que pedirdes na oração, crede que já o recebestes, e vos será concedido” (Mc 11,24).

Décimo – É abandonar-me nas mãos de Deus, disposto a fazer a sua vontade, isto é, a identificar-me com seu Filho e agir como Ele: ‘Pai, se quiseres, afasta de mim este cálice; contudo, não seja feita a minha vontade, mas a tua!”(Lc 22,42). Assim também ele nos ensinou a rezar: “Seja feita a tua vontade, como no céu, assim também na terra” (Mt 6,10). E, como modelo e inspiração de oração, sirva para todos nós a “Oração do abandono” do Irmão Carlos de Jesus (Charles de Foucauld):

Meu Pai, eu me abandono em Ti. Faze de mim o que quiseres. Por tudo o que fizeres de mim, eu Te agradeço. Estou disposto a tudo, aceito tudo, contanto que a Tua vontade seja feita em mim, em todas as tuas criaturas. Nada mais desejo, meu Deus. Ponho a minha alma nas Tuas mãos, entrego-a a Ti, meu Deus, com todo o ardor de meu coração porque Te amo. E é, para mim, uma necessidade de amor dar-me e entregar-me nas Tuas mãos sem medida, com infinita confiança porque Tu és meu Pai. Amém!


Sempre unidos na oração e pela oração, deixo-lhes um forte abraço fraterno. Do irmão e amigo,

Beraldo

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